“Não Percebem?”
Tomei consciência do som quando a frase
repetida me despertou
- “Não percebem?” Ouvi de novo numa voz
infantil –
Olhei para baixo e lá estava o dono da voz
e da insistência…e como me olhava directamente tive a certeza que era comigo
que falava
Olha…vamos a ver, quem é que não percebe o
quê? Respondi ao pirralho que calculei ter uns 4 anos, diz-me lá o que te
aflige
- A Paz, não percebem a Paz!...
Senti no meu queixo o efeito da lei da
gravidade quando somos atingidos pela surpresa…olhei-o com mais atenção
tentando perceber se o conhecia, mas, ainda que tivesse “uns ares” não o
identifiquei com nenhuma criança das que conheço. Fixei-me nos seus olhos,
intensos, onde cabia toda a sabedoria do mundo. Vá, explica-me então o que queres dizer
com isso - Colocou o dedinho indicador em riste, apontou para o alto e falou:
- Está tudo ao contrário, querem o que não
pode ser dado nem comprado, mas sim edificado com o esforço e a prática de cada
um. Iludem-se a si mesmos achando que são perfeitos porque usam a palavra paz,
paz não se diz, faz-se! Como podem pensar que podem ter paz enquanto uma só
criança sofra os efeitos do desamor ou da fome – enquanto não são honestos uns
com os outros – enquanto maltratam um único ser que seja do reino humano ou
animal
O meu queixo continuava caído pelo
discurso e o léxico nele usado, e ele continuou…
- Acham que paz é estar tranquilos, a
murmurar pedidos, acomodados nos seus luxos e confortos que os separam dos
outros, dos injustiçados, dos sofredores, dos esquecidos…Não percebem nada… Paz
é a luta contra tudo isso, é o bom combate interno e externo pela transformação
de tudo isso - Paz é a bandeira a conquistar no campo de batalha onde todos
estão alistados - a única opção que vos é concedida é a escolha do lado, o da
Luz que vos redimirá e será o vosso mapa de retorno a casa, ou o da Sombra que
pulverizará as consciências em pó cósmico, porque delas não fizerem uso – Paz é
o respeito pelo Criado que é o mesmo que respeitar o Criador - sempre que
lacerais ou adulterais a natureza da Obra é um insulto ao Escultor
Readquiri a capacidade da fala e
perguntei: como te chamas? Ele sorriu, o seu sorriso era a mais bela aurora
boreal, e respondeu:
- Tenho todos os nomes que possas
conhecer, sou a criança interior de todo ser encarnado, aquela que deveis
honrar, pela qual deveis lutar, pois sou a única razão da vossa existência…
O eco das suas palavras ainda se ouvia
quando em sobressalto me apercebi que me despedia de um encontro real, vívido,
em que bem acordada pensei estar adormecida.
Maria Adelina
6 de Janeiro 2018
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