Ao considerarmo-nos donos e senhores da Terra, arrogamo-nos o direito de a
saquear a nosso bel-prazer. A destruição por de mais evidente no solo, na água,
no ar, e em todas as formas de vida, é uma consequência da violência presente
nos nossos corações. Esquecemo-nos de que nós próprios somos pó da Terra, de
que respiramos o seu ar, e de que recebemos vida das suas águas.
Papa Francisco
Será que poderemos lidar de forma eficaz
com a verdadeira natureza da tragédia ambiental se o fizermos de uma perspetiva
puramente política, económica, ou até ecológica?
Pronunciei-me claramente em tempos acerca
da necessidade de reconhecer que a crise ecológica era causada por um sistema
económico que assentava no pressuposto de um crescimento infinito num planeta
finito, e que quaisquer soluções para essa crise passavam por uma mudança de
sistemas e por uma nova economia.
Mais recentemente, porém, a minha atenção
desviou-se dos sintomas externos, por reais e graves que sejam, para a perceção
de que o nosso problema não é só um problema de sistemas, mas também um
problema espiritual, causado por uma mundivisão que dessacraliza e reduz a
Terra a matéria inerte. Uma tal mundivisão não pode dar origem a verdadeiras
soluções. Acredito que, enquanto não enfrentarmos os pressupostos das nossas
crenças e atitudes em relação à Terra, não poderá ocorrer qualquer mudança
real.
Tal como afirma o cientista David Suzuki,
“O movimento ambiental falhou porque, embora tenhamos agora leis que protegem o
ar, a água, espécies em vias de extinção e milhares de hectares de terra, não
mudámos a forma como as pessoas veem o mundo.”
A ecologia espiritual é uma área de saber
emergente que conjuga o ambientalismo com uma consciência das raízes
espirituais da crise ecológica. A ecologia espiritual vê a Terra como uma
totalidade viva, interligada e sagrada. Inspira-se e alicerça-se nos
ensinamentos das tradições religiosas, da sabedoria indígena e do novo
paradigma científico, que nos mostram, sob formas atuais e antigas, a unidade e
interdependência de tudo o que coexiste no seio da teia da vida.
No ano passado, um índio Lakota da nação
Sioux, Tiokasin Ghosthorse, partilhou connosco, no Centro para a Reconciliação
e a Paz de Sta. Ethelburga, a cosmologia e mundivisão do seu povo. “Não seremos
nós a salvar a Terra. Será a Mãe Terra a salvar-nos,” disse, perante uma
plateia estupefacta.
Com uma simples inversão de ponto de vista,
Tiokasin despertou-me da minha enorme e inconsciente arrogância antropomórfica.
Dei-me então conta de que a simples ideia de que somos nós que detemos o poder,
a autoridade ou até a capacidade para “salvar a Terra” era uma consequência da
mesmíssima mundivisão autocentrada que estava na origem do problema. Uma
mundivisão que se centra exclusivamente em “nós”, que nem sequer concebe a
criatividade e a inteligência das outras formas de vida.
É óbvio que necessitamos de assumir a
responsabilidade pelo ecocídio que estamos a criar e encontrar soluções para
ele. Contudo, a mensagem de Tiokasin inspirou-me a pensar nos contornos que assumiriam
as nossas respostas à crise se proviessem de uma atitude de profunda
reverência, humildade e cocriação com a Terra.
De que maneira podemos praticar ecologia
espiritual? A necessidade de escutar tem sido um tema recorrente na minha
aprendizagem. Julgo que a nossa capacidade para escutar, para ouvir com o
coração, é o que acabará por definir se efetuamos, de facto, a “mudança
profunda” de que tanto necessitamos. Na sua mais recente Encíclica, o Papa
Francisco alia a justiça ecológica e a social quando descreve de que forma a
alteração climática tem um efeito mais devastador sobre os pobres. A arrogância
endureceu os nossos corações e impede-os de ouvir “o grito da Terra e o clamor
dos pobres.” De igual forma, quando lhe perguntaram o que podemos fazer para
ajudar o mundo, Thich Nhat Hanh, líder espiritual budista e ativista pela paz,
respondeu, “Precisamos de ouvir dentro de nós o som da Terra a chorar.”
Sinto que, só quando nos afastarmos dos
factos e dos números e caminharmos na direção do amor, poderemos encontrar este
nível de conexão e comunhão com a Terra, responder à verdadeira natureza da sua
crise e efetuar mudanças reais.
Tenho estado a refletir na noção de
“sagrado” e em como esse conceito se relaciona com o reavivar do sentimento de
reverência pela Terra que muitos povos indígenas ainda possuem e que nós, mundo
ocidental, perdemos. Sabemos que culturas que acreditavam na sacralidade de
montanhas e florestas puderam viver de forma sustentável durante milhares de
anos. Numa cultura como a ocidental, que encara as montanhas e as florestas
como território a ser explorado e abatido, respetivamente, o maior desafio é
saber como traremos de volta essa relação recíproca que só a perceção do
sagrado permite.
Amrita Bhohi
21 Novembro 2016
(Tradução e adaptação)
21 Novembro 2016
(Tradução e adaptação)
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